Não sei porque é que nunca vos contei esta história, mas hoje, é o dia!
Há cerca de ano e meio, após ter participado numa reportagem para o Jornal da SIC (podem revê-la aqui), uma senhora, provavelmente com os seus 70 anos (pensava eu), entrou em contacto comigo.
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Estava num restaurante a almoçar com a minha filha e com o meu marido, quando a Madalena começa a ficar irrequieta, e eu saio com ela para fora do restaurante. Atrás de mim vem uma senhora, aparentemente "velhinha", já de bengala, e com um aspeto bastante cuidado. Já fixava o olhar em nós há algum tempo, mas a verdade é que quando temos bebés, todas as pessoas se metem connosco, especialmente com o bebé. Pensei naquele momento que era disso que se tratava.
Quando saímos as três do restaurante, praticamente ao mesmo tempo, a "senhora velhinha" manteve-se perto de nós na rua. Parecia que queria dizer-me alguma coisa mas não sabia como. Eu confesso que já estava a ficar um pouco incomodada e prestes a questioná-la. De repente, sai o respetivo marido do restaurante e vai na sua direção, dizendo-lhe que já se podiam ir embora porque já havia pago a conta, mas ela pede-lhe mais um pouco referindo que precisava de "ter a certeza" de que era eu.
Aí, confesso que fiquei muito intrigada - provavelmente até um pouco corada - viro-me para a senhora e vejo que vem na minha direção. Fico eu e a Madalena a olhar para ela. Passaram-me algumas coisas pela cabeça naquele momento, mas nada do que me passou pela cabeça era o que efetivamente a fazia vir ter comigo. No entanto, as palavras dela ficaram-me registadas na memória, e hoje, partilho-as convosco:
- Peço desculpa, mas tenho mesmo de lhe perguntar, foi a senhora que participou ontem numa reportagem sobre a depressão pós-parto? - diz-me a senhora "velhinha".
- Hum... sim, participei numa reportagem para o jornal da noite. Mas porquê? - digo eu, assim meia "encavacada". A verdade é que nunca tinha sido abordada desta forma.
- Eu nem acredito que a encontro hoje! Eu nem acredito! - Diz a "senhora velhinha" com um ar entusiasmado.
- Filho, é ela! Eu vou dizer-lhe, eu tenho de lhe dizer. - Diz a senhora para o esposo, que se encontrava a seu lado, assim "meio desconfortável" com a situação.
- Peço desculpa, mas não estou a compreender. O que tem para me dizer? - digo eu, cada vez mais intrigada com a situação/assunto.
- Chama-se Ana, certo? - diz a "senhora velhinha".
- Sim. - afirmo.
- Ana, o meu nome é Olga. Tenho quase 80 anos, e tive uma depressão pós-parto há mais de 50 anos atrás. Foi "diagnosticada", mais do que uma vez, mas naquela época estas situações ficavam retidas na família como deve calcular. Hoje, quando olho para trás, há coisas que prefiro nem lembrar.
- Há 50 anos atrás?! - Questiono, surpreendida, pois não estava nada a espera que a senhora fosse partilhar a sua experiência pessoal sobre o tema, comigo.
- Mas sabe, não fui só eu. Praticamente todas as mulheres da minha família tiveram uma depressão pós-parto. A minha mãe, as minhas tias, duas das minhas três irmãs e... a minha filha. Ela nunca quis assumir. Eu bem tentei ajudá-la como podia... mas... o pior aconteceu. - Referiu com um tom de voz cada vez mais tremido. Parecia mesmo que ia chorar.
- Oh filha, deixa lá a senhora. Tem de ir com a bebé para dentro... não tem tempo para estar a ouvir histórias de velhos como nós - referiu o esposo, com um ar triste e envergonhado relativamente à situação. Parecia-me que queria falar sobre o assunto, mas ao mesmo tempo, queria distanciar-se do que estava a sentir.
- Não se preocupe. Confesso que não estava à espera do que me estavam a dizer, mas estou muito interessada na vossa história. Acredito que um problema como a depressão pós-parto já exista desde que as mulheres têm filhos: Há séculos! E também por isto não compreendo porque é que as respostas públicas neste âmbito estão tão subdesenvolvidas. Mas diga-me, estava a falar da sua filha...
- Sim. A minha filha suicidou-se depois da primeira filha nascer. Foram tempos terríveis. Mas hoje já passou... agora os problemas são outros. Enfim, gostava de lhe agradecer por dar a cara por este problema. Eu gostava de ter feito o mesmo há muitos anos atrás. Vá em frente. Fale por todas nós, pois eu sei, eu sei que somos muitas mais do que se sabe. Já viu o meu exemplo? Imagina quantos é que poderão haver por aí? E muito obrigada pela entrevista de ontem. Foi muito bom para mim saber que jovens como a Ana lutam por este tipo de problemas.
Confesso que a partir daqui, várias foram as sensações que me percorreram. A sensação de que "já valeu a pena" ter tornado o meu caso público, mesmo após tantas dúvidas e problemas que eram levantados, por mim, sobre o tema. A sensação de que o que havia começado a fazer dentro da área não estava a ser em vão. A sensação de que ainda havia tanto para fazer. A sensação de força, de paz, de compaixão. A sensação de tristeza pelo pedaço de história partilhado por esta senhora. A sensação de que queria fazer cada vez mais. Ir cada vez mais além dentro desta problemática. A sensação de que tinha, efetivamente, de aproveitar este momento para difundir cada vez mais o tema. A sensação de que não queria "desiludir" esta mulher e todas as outras que se tinham identificado. A sensação de que aquele momento, era só o começo de um longo, longo caminho a percorrer.
O discurso da D. Olga teve um grande impacto em mim. As palavras que proferiu. O olhar, a emoção com que falou, a alegria por poder partilhar pessoalmente este problema comigo. Nunca mais me hei-de esquecer daquele momento.
Se a vir na rua, tenho a certeza de que a reconheço .Não hei-de esquecer-me mais da sua expressão.
Também eu vou tendo cada vez mais certezas quanto ao facto de que existem muitas "D.Olga" por aí. E a prova atual disso, são a quantidade de mulheres e respetivas famílias que já partilharam a sua vivência relativa ao baby blues e depressão pós-parto na rubrica Histórias que dão a cara por esta causa.
Partilhem também a vossa! Vamos dar formas, caras, corpos e almas a este problema que afeta tantas mulheres e respetivas famílias a cada ano que passa.
Enviem-me as vossas histórias para:
centro@mulherfilhaemae.pt