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Mulher, Filha e Mãe

Porque a saúde mental na gravidez e no pós-parto importa!

Mulher, Filha e Mãe

Porque a saúde mental na gravidez e no pós-parto importa!

Sex | 23.03.18

À conversa com a Ana #13 - "Para ser a mãe que eu queria, sabia que tinha que me desculpar."

Ana Vale

Posso dizer que o ter abanado a C., a culpa imensa que sentia todos os dias e que me destruía por dentro e o processo de fazer as pazes comigo mesma e de me desculpar, foi o mais doloroso e o mais difícil em todo o processo.

 

A pessoa que eu conhecia em mim, até então, tinha desaparecido. Eu, uma pessoa calma, compreensiva, parecia que vivia em constante reatividade, sempre pronta a rebentar à mais pequena situação. Abanei a minha filha porque ela não parava de chorar, gritei com ela, disse-lhe que a detestava, virei-lhe as costas muitas vezes por não suportar o choro, evitava pegar-lhe ao colo, não queria ficar sozinha com ela.

 

Foto.jpgTantos, mas tantos sinais de que as coisas não corriam nada bem! Mas, estando no meio da tempestade, com o cansaço característico do pós-parto, pela inevitável privação de sono, não consegui ter o discernimento para viver mais do que o meu sofrimento no dia-a-dia. Nem eu, nem o meu marido. Claro que sentíamos que havia qualquer coisa errada, mas achávamos que passaria, que era uma fase, que era o cansaço a falar mais alto. Que, algum dia, as coisas iriam acalmar.

 

Com a medicação e, sobretudo com a psicoterapia e o shiatsu, a tal ligação emocional começou a aparecer. Nos primeiros dias após o início da medicação o meu marido tirou uma foto de mim e da C.. A primeira em que eu sorria verdadeiramente para ela. Poucas semanas depois, pela primeira vez, acordei e em vez de sentir um peso enorme no coração, e uma vontade de fugir, senti amor pela minha filha. Senti que a Amava. Foi tão poderoso para mim. Foi mesmo bonito. Fico emocionada ao recordar. Foi um momento muito importante. Depois de tudo o que aconteceu naqueles dois meses, comecei a sentir que não estava estragada, que não era um monstro.

 

Esta foi a minha resposta à questão, que me foi colocada há algum tempo atrás, de: O que foi mais difícil para si em todo o processo?

 

Não consigo descrever com toda a exatidão aquilo que foi para mim viver os momentos de abanar a minha filha. Sei que, nos momentos em que o fiz, estava a viver num grande sofrimento. Não há palavras para descrever esse sofrimento que se está a viver e que nos leva a abanar, a gritar, a virar as costas a um bebé. E depois não há palavras para descrever o que é recordar esses momentos. Saber que eles aconteceram.

 

As palavras da psiquiatra, dos livros, dos textos que li nas inúmeras pesquisas que fiz na Internet, deram uma causa a este comportamento. Foi o descontrolo hormonal e emocional que vivi após o nascimento da minha filha, a tal depressão pós-parto, conjugada com uma perturbação de ansiedade generalizada. Surgiu a explicação, houve uma arrumação da experiência, a nível racional e intelectual. Mas e o coração? Como é que o coração de uma pessoa, de uma mãe lida com o ter abanado a filha? Havia uma explicação, mas ainda assim sentia-me culpada. Sabia que outras mulheres passavam pelo mesmo, mas ainda assim sentia que eu era única e que haveria alguma coisa errada em mim.

 

A culpa que sentia era gigante. Ao mesmo tempo que me ia sentindo melhor, com o avançar do tratamento, sentia que a minha relação com a C. estava presa a estas memórias e à culpa. E foi isso que me fez avançar para a psicoterapia e para o shiatsu. Sabia que precisava entender a depressão com o coração. Para voltar a um ponto de equilíbrio enquanto pessoa, e para ser a mãe que eu queria, sabia que tinha que me desculpar.

 

A psicoterapia ajudou-me muito no processo de entendimento emocional da minha experiência e dos traumas que se criaram. Permitiu-me ganhar confiança em ficar sozinha com a C. O Shiatsu foi a chave mestra para entender com o coração a minha depressão. Permitiu-me passar do questionamento “Porque é que isto me aconteceu? Porque a mim?” para “O que é que a depressão me veio mostrar? O que posso aprender com isto?” E foi a partir daí que o perdão surgiu. 

 

Sex | 09.03.18

À conversa com a Ana #12 - "“A amamentação é o ideal, mas (...) o que a sua filha precisa é de ter uma mãe feliz, que esteja bem”

Ana Vale

No outro dia, ao reparar numa mãe a amamentar o seu bebé, lembrei-me de mim a amamentar a C. e da decisão em parar com a amamentação após o diagnóstico da depressão pós-parto. A C. tinha 2 meses. A psiquiatra explicou-nos as opções que existiam. E eram 2: ou tomava medicação “menos forte” que começaria a fazer efeito dentro de 15 dias; ou tomava medicação “mais forte” que começaria a fazer efeito em 24horas.

 

A primeira opção permitia continuar com a amamentação, mas não em exclusivo, tal como estava a acontecer até então. Poderia amamenta-la durante o dia mas durante a noite, após a toma de um dos medicamentos, não o poderia fazer. Teria que ser com leite artificial ou com o meu leite, caso tirasse o leite com a bomba durante o dia. O outro medicamento, que tomaria durante o dia, era compatível com a amamentação. Tanto a psiquiatra, como a médica de família asseguraram-nos isso, e mostraram-nos um site médico que lista todos os medicamentos e o seu grau de interferência com a amamentação. Demorariam 15 dias até começar a sentir os efeitos da medicação.

 

A segunda opção não permitia continuar com a amamentação, de todo. Era medicação “mais forte”, com capacidade para produzir efeito em 24h. Se decidisse por esta, aquela noite (a da consulta) seria a última em que daria de mamar à C. Depois disso, teria que passar ao leite artificial.

 

Eu e o meu marido saímos da consulta e enquanto íamos para casa falámos. Eu pendia para a 2ª opção. Estava exausta, à beira do precipício e a perspetiva de ter que esperar 2 semanas para começar a sentir-me melhor não me parecia (humanamente) possível. Não me sentia com qualquer réstia de energia física, emocional e psicológica. Mas a contrapartida era deixar de amamentar!

 

Sempre achei que amamentaria. Mesmo nas aulas de preparação para o parto prestei pouca atenção quando se falou sobre o leite artificial. Tinha arrumada em mim a ideia e a vontade de alimentar a minha filha dessa forma. De tudo o que lia, de tudo o que ouvia, compreendia que era o mais benéfico para ela e para mim. Amamentaria até ela deixar de querer. Por isso, naquele momento fiquei dividida porque o que era o melhor para mim não era o que era o melhor para ela. Isto era como pensava na altura.

 

Há uma força social muito grande que nos transmite que devemos fazer sempre aquilo que é o melhor para os nossos filhos. Especialmente porque somos as Mães. Há subjacente a ideia de espírito de sacrifício e de abnegação das nossas necessidades face às necessidades dos nossos filhos. Pelo menos é assim que eu sentia. Como tal, tinha essa pressão moral e social na minha cabeça. Sentia “porque eu preciso descansar e dormir, vou tirar à minha filha algo que é benéfico para ela?” “Não poderei esperar os 15 dias? Não conseguirei fazer esse esforço?”

 

Foto.jpg

Falei com o pediatra. Ele disse-me algo que nunca me irei esquecer e que acabou por passar a ser uma força motriz no meu tratamento e, na verdade, na minha vida. Disse-me “A amamentação é o ideal, mas muitas vezes não é isso que mais conta na realidade. O que a sua filha precisa é de ter uma mãe feliz, que esteja bem.”

 

De coração e cabeça decididos, seguimos para a 2ª opção. O meu marido foi comprar biberões e o leite artificial. A minha mãe veio para nossa casa. E dei, pela última vez, mama à minha filha. Ela ficou a dormir com a minha mãe. Eu tomei os comprimidos, deitei-me e partir dessa noite tudo mudou. A Ana feliz pode começar a espreitar e a C. pode começar a ter uma Mãe.

 

Qui | 08.03.18

O Projeto Mulher, Filha e Mãe: No que consiste?

Ana Vale

O Projeto Mulher, Filha e Mãe foca-se: 

  • Na sensibilização para a saúde mental perinatal;
  • No acompanhamento de mulheres e famílias com alterações emocionais no período perinatal.

 

Sensibilização: Como? 

Através do blog Mulher, Filha e Mãe, partilha de artigos escritos pela autora em plataformas várias e da ministração de formações, workshops e palestras sobre o tema. 

 

Acompanhamento: Como?

Através das consultas de enfermagem em saúde mental perinatal e da dinamização de grupos de apoio a mulheres e famílias com alterações emocionais e psicopatológicas na gravidez e pós-parto.

 

Gráfico sobre projeto mfem.png

 

Quando é que o projeto teve inicio?

 

O Projeto Mulher, Filha e Mãe iniciou em Junho de 2015.

Inicialmente, o seu objetivo principal era sensibilizar para a saúde mental perinatal (saúde mental da mulher que vai desde a conceção, até ao primeiro ano após o parto), em exclusivo, através da publicação de artigos com bibliografia fidedigna sobre o tema em plataformas online.

 

O que foi feito desde então?

 

Entre Junho de 2015 e Outubro de 2016, foram escritos e publicados em diversas plataformas online cerca de 185 artigos sobre o tema, aos quais milhares de pessoas tiveram acesso de forma gratuita (plataformas como o site Capazes, Pumpkin, Sapo Lifestyle, e Hospital do Futuro, revista CrescerVitalHealth, ACTIVA, Jornal de Notícias Magazine, P3 - Público online, Blog Mães mais que imperfeitas, etc.).

 

Com o passar do tempo, o Projeto Mulher, Filha e Mãe deixou de ser um projeto de sensibilização que ocorria, até então, através do mundo virtual, passando também para a via presencial. 

Comceçei a ministrar formação, sessões de esclarecimento diversas e workshops, tendo participado em vários eventos específicos para mães e bebés (p.ex: participação nas ações de esclarecimento para pais no Hospital da Luz e Hospital Beatriz Ângelo), tendo ministrado formação sobre a saúde mental perinatal, a convite de colegas, em turmas diversas de formação na área da educação e saúde (p.ex: participação em unidades de formação de curta duração através do IEFP, nas segundas jornadas do curso de licenciatura em enfermagem da Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, etc.), participando em seminários e conferências diversas (p.ex: participação no 17º fórum nacional de estudantes de enfermagem, no Encontro de Avaliação e Reflexão do Projeto rI(Age) IV, com o tema “Saúde Mental Comunitária: Presente e Futuro”, nas conferências de "O Pai, a mãe e eu", etc.) e em algumas rubricas televisivas que abordaram a saúde mental perinatal na TVI (Programa "A Tarde é Sua"), SIC (Jornal da Noite e "Queridas Manhãs"), SIC Mulher (Programa FazSentido) e canal Saúde +.  

 

Para além do referido anteriormente, começar a dinamizar este projeto permitiu-me conhecer/conversar/aprender mais sobre o tema da saúde mental perinatal com investigadores ligados à área do serviço de Psicologia Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, assim como, conhecer projetos de investigação em curso e acompanhar os respetivos resultados como o Projeto de bem-estar perinatal, por exemplo. 

 

Referências estas, que estiveram sempre bem presentes aquando do desenvolvimento da minha tese de mestrado, em 2017, intitulada de: AMA: Programa de Apoio a Mulheres com Alterações Psicopatológicas no Pós-Parto.

 

Após a realização da minha dissertação de mestrado, em Setembro de 2017, fundei o Centro Mulher, Filha e Mãe, com o objetivo de formar uma equipa com a formação/experiência necessária para acompanhar mulheres e famílias com risco e/ou com alterações emocionais na gravidez e no pós-parto.

Entre 2018 - 2019 o projeto desenvolveu-se no espaço do centro materno-infantil Árvore dos Bebés, onde dezenas de mulheres e respetivas famílias obtiveram apoio estruturado e focado na promoção e manutenção da saúde mental perinatal e na prevenção da doença mental perinatal, através da consulta de enfermagem em saúde mental perinatal realizada por mim e pela consulta de Psicologia Perinatal realizada pela Psicóloga Raquel Vaz.

 

E hoje em dia, qual o ponto de situação do projeto?

 

Atualmente, a sensibilização tem ocorrido em parceria com estruturas locais e o acompanhamento tem-se desenvolvido maioritariamente por vídeoconferência e no domicílio das mulheres/famílias que nos contactam, sendo que brevemente, divulgaremos mais notícias sobre os novos espaços onde a consulta irá ter lugar. 

 

Contacta-nos!

mulherfilhamae@gmail.com

(+351) 92 682 82 02

@enfermeiravaiacasa

 

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Sex | 02.03.18

À conversa com a Ana #11 - "Aos poucos, a nossa dança, dolorosamente desengonçada, foi-se sincronizando. O tal amor incondicional, puro e apaixonado foi surgindo, crescendo e solidificando."

Ana Vale

Texto escrito no final de Outubro 2017

Dentro de poucos dias terão decorrido 2 anos de tratamento da minha depressão pós-parto. Voltarei para mais uma consulta com a psiquiatra e creio ser intenção dela dar como concluído o tratamento. Eu também sinto que este capítulo da minha vida está pronto para ser finalizado.

 

Revendo, em retrospetiva, estes 2 anos foram repletos de grandes desafios e de emoções! Um desses grandes desafios foi a relação com a minha filha. Amo-a incondicionalmente. Sou completamente apaixonada por ela. Mas não começou assim. O meu amor (puro, incondicional e apaixonado) por ela foi-se construindo aos poucos.

 

Na gravidez sentia-me em paz comigo e com a (ideia) de ser mãe da C. Falava com ela, cantava para ela, tocava muito na minha barriga. Sabia que a relação mãe-filha já acontecia ali, naquele instante da gravidez e queria que a minha filha sentisse, desde logo, que era desejada e amada pela mãe e pelo pai.

 

Depois ela nasceu e eu não fui invadida por aquele amor imenso e intenso de que se fala. Não houve nenhum clique. Estava exausta por causa do trabalho de parto e em choque (sem ser consciente) pela forma como fui tratada no hospital S.Francisco Xavier (onde era suposto ela nascer). Observava as enfermeiras a tratarem dela, enquanto eu era cosida e pensei “ok, sou mãe! Eu sou mãe. Aquela é a minha filha. A minha filha.” Não sentia felicidade, nem amor, também não sentia medo, tristeza. Sentia-me apenas muito cansada e com a sensação de que tudo tinha mudado. Na maternidade cuidei dela, não tive medo de ir para casa. Pelo contrário, queria ir. Queria descansar na minha casa e começar a nova vida com a pequena C.

 

Durante as semanas que se seguiram, eu estava a tentar recuperar do trauma da receção do hospital SFX e do toque intrusivo e doloroso de uma das médicas no hospital de Cascais (onde ela nasceu). Tentava recuperar física e emocionalmente, ao mesmo tempo que tinha que responder àquelas que são as exigências de cuidar de uma recém-nascida. E aos poucos, de uma forma completamente insidiosa e crescente, o medo e a insegurança em não conseguir/saber cuidar da C., a tristeza e a raiva pelas expectativas não correspondidas sobre o que seria cuidar de um bebé, foram-se revelando. Mostravam-se no dia-a-dia, nas mais pequenas situações e acabei por entrar no papel de mãe em puro piloto automáticoFoto.jpg e estabelecendo uma relação de aceitação condicional da pequena C.

 

Cuidava dela por responsabilidade e obrigação. Evitava ficar sozinha com ela. Quando ficava, a maior parte do tempo, evitava olha-la. Queria que ela mamasse e dormisse. Nada mais. Não brincava com ela, não interagia. Ficava enraivecida quando não adormecia ou quando dormia muito pouco. Não diziam que os recém-nascidos “só comem e dormem”! Então porque é que a minha não era assim? Porque é que eu não conseguia fazer mais nada, nem ser mais nada do que alguém a cuidar de uma bebé?

 

Com o início do tratamento, sobretudo com o Shiatsu e a psicoterapia, a nossa relação começou a mudar. Ao longo dos meses que se seguiram, fui ganhando consciência da falta de apego e de um vínculo forte entre nós. E fui tentando criar precisamente momentos/oportunidades que promovessem o vínculo com a minha bebé. Por exemplo, todos os dias, antes dela dormir, à noite, deitava-me com ela na minha cama, enchia-lhe de beijos, de abraços, de festas, procurava o olhar dela, demorava-me a olhar para ela. 

 

Foram precisos bastantes meses para nascer a Mãe da C., ao mesmo tempo que nasceu a minha própria mãe. Aprendi a ser mãe da C. e a ser a mãe que eu não tive. A tal mãe que ama incondicional e apaixonadamente. Sempre que abraço e beijo a minha filha é como se a minha mãe me estivesse também a abraçar e a beijar.