Uma mãe e um pai não são suficientes para criar um filho.
Há poucos dias revisitei o livro de Laura Gutman, "A maternidade e o encontro com a própria sombra", e o seguinte parágrafo ficou-me:
A realidade é que a presença da criança faz vir à tona os desencontros que já existiam. Também é verdade que uma mãe e um pai não são suficientes para criar um filho. Esta ideia pode parecer extravagante, mas creio que somos "desenhados" para viver em comunidade, como a maioria dos mamíferos.
Tantas são as vezes que falo sobre o facto de ser necessária a tal aldeia para educar uma criança e da importância desta máxima no âmbito da saúde mental perinatal, e como tal, não podia estar mais de acordo com o acima descrito.
Mas não deixa de ser um paradoxo.
A minha perceção é a de que os pais, hoje em dia, e cada vez mais, sentem a pressão de terem de ser auto-suficientes para muito nas suas vidas. Têm de ser os melhores pais, os melhores no trabalho, os melhores amantes, os melhores amigos, os melhores nos seus hobbies, etc., etc...
Aliás, até podem sentir que não têm de ser os melhores, mas que têm de ser suficientemente bons para poderem dar resposta. E o que significa isso, de ser suficientemente bom? Tantas vezes que costumo ouvi-lo na consulta de saúde mental perinatal. É uma dimensão bastante subjetiva, mas muito presente.
Ao reler este capítulo do livro - por vezes gosto de reler excertos de livros que me marcaram de alguma forma, acabo sempre por retirar algo diferente - divaguei para a imagem de muitos dos pais de hoje em dia. Os pais que sentem uma pressão imensa e constante no que concerne à presença e educação dos seus filhos, e ao mesmo tempo, senti o quão essa pressão está desalinhada com as globais necessidades de um ser humano. A necessidade inicial e primitiva do afeto da mãe e do pai, mas também aquela que evidencia a necessidade do mesmo estar inserido numa comunidade, num grupo, numa família, e de se sentir integrado. Motivo pelo qual uma mãe e um pai não são suficientes para criar um filho. São uma peça absolutamente fundamental, mas não a única. E o confronto com esta realidade, para muitos, poderá ser motivo de angustia e ansiedade, e para outros, um alívio.
É também por isto que o período perinatal é como que uma chave que abre a porta para muitas questões pessoais, que até então, não eram conhecidas pelos próprios ou não estavam tão conscientes.
No entanto, e apesar desta simples reflexão, não desvalorizo alguns dos motivos subjacentes à pressão sentida e verbalizada por estes pais. O mundo tem mudado muito, em tão pouco tempo. E o que é exigido aos pais hoje em dia - e particularmente às mulheres - a forma como as famílias estão (re)organizadas, as exigências diárias dos locais de trabalho, as fracas condições laborais, o fraco suporte que é dado às mulheres/famílias no período perinatal por parte das políticas atualmente implementadas, entre tantos outros fatores, são alguns dos vários que são frequentemente apontados (de uma forma geral). No entanto, não posso deixar de referir que tudo isto é olhado e integrado de acordo com uma perspetiva muito própria. Perspetiva essa que é a que realmente importa, para compreender a forma como cada pessoa olha para o mundo.
No entanto, seja com mais ou com menos pressão sentida, com mais ou menos consciência da mesma, a verdade é que a partir do momento que um ser humano existe, pertence ao mundo. Mesmo que no inicio, crie as suas raízes a partir das dos seus pais. Por isso, sim, reitero: um pai e uma mãe são peças fundamentais na vida de um filho, mas não são suficientes para o criar. É preciso a tal aldeia, é preciso a tal comunidade. E tão bom que assim é!