Um dia que se devia repetir... todos os dias!
Hoje, dia 10 de outubro de 2022, é dia internacional da saúde mental. Sabias?
Por mim, mais houvesse.
É preciso falar sobre saúde mental. É preciso falar muito! E cada vez mais.
Este dia pretende destacar os desafios no combate às doenças do foro mental, bem como desmistificar algumas das crenças associadas às mesmas, assim como, a necessidade de reconhecer os sinais deste tipo de doenças e de procurar ajuda especializada.
A criação deste dia foi da iniciativa da Federação Mundial da Saúde Mental (FMSM), pela mão do então Secretário-Geral, Richard Hunter. Foi pela primeira vez celebrado no ano de 1992. Atualmente, a Organização Mundial de Saúde reconhece e assinala também este dia. Como tal, acredito que hoje, em muitos países do mundo, as palavras "saúde mental" sejam uma constante ao longo do dia.
Sou enfermeira mestre e especialista em saúde mental e psiquiátrica.
Terminei o meu curso de mestrado na área em 2017. Há pouco tempo, portanto. Contudo, o gosto pela saúde mental sempre foi uma constante ao longo do meu percurso académico e profissional.
Fui especificamente para saúde mental porque queria aprender mais sobre saúde mental perinatal. E desde então, que tem sido uma autêntica aventura.
Quando entrei no mestrado, questões como: "O que se fazia na área de saúde mental perinatal na altura? O que existia no nosso país? Que diagnósticos...intervenções...resultados??" saltitavam na minha mente. Quando cheguei à escola superior, percebi que pouco ou nada. Percebi que muitos ainda achavam, que esta, não era uma área de intervenção da enfermagem (como assim??). Percebi que muitos desconheciam o conceito. Na verdade, tal como eu, até ser mãe da minha primeira filha. Percebi que me tinha enganado numa coisa até então: havia muita investigação cientifica realizada no âmbito da saúde e da doença mental perinatal (mais da doença até, e mais da famosa "depressão pós-parto"). Inicialmente, eu achava que não, que não havia muita investigação cientifica desenvolvida na área. Na verdade, não sabia procurar bem, e desconhecia o que era feito na prática, a nível nacional e internacional, neste âmbito. E nisso, o mestrado ajudou-me muito. Deu-me muitas ferramentas para me ajudar a fazer o meu caminho.
Mas pensando hoje nesse caminho, no que me motivou a procurar esta formação superior, no que encontrei, adquiri, no que tenho feito, conhecido e deixado por fazer... continuo a sentir que muita da evidência a que temos acesso no dia de hoje, e mesmo há cinco anos atrás, pouco se transporta/tem transportado para a prática e chegado a quem dela (realmente) necessita.
A área da saúde mental perinatal ainda é MUITO negligenciada, mesmo que cada vez mais ande nas bocas do mundo pelas experiências menos positivas de muitas mulheres (corajosas!) que vão partilhando nas redes sociais pedaços dos desafios pelos quais passam diariamente no período perinatal - algumas delas, figuras públicas.
A área da saúde mental perinatal ainda é transportada para o dia-a-dia profissional dos meus colegas que trabalham nos cuidados de saúde primários, em grande parte, pela sua "boa vontade" ou "maior interesse" na área. Não porque os indicadores major da vigilância das mulheres e famílias neste período assim o obriga.
O plano nacional de saúde mental é completamente mudo sobre saúde mental perinatal. Não vislumbro este conceito nas suas linhas ou entre-linhas.
O suicídio é a principal causa de morte das mulheres no pós-parto (em breve farei um post dedicado só a este tema) e pouco se fala sobre este assunto.
Os problemas de saúde mental materna são um dos principais preditores de problemas de saúde mental na geração seguinte, mas ao ler - por exemplo - o guia de práticas recomendadas para a intervenção precoce na infância, não identifico orientações dirigidas a famílias com problemas do foro da saúde mental perinatal.
As mulheres que desenvolvem psicose pós-parto e depressões com características psicóticas, em Portugal, ainda são internadas em unidades psiquiátricas junto de todos os outros utentes, quando todos sabemos que a psicopatologia perinatal tem características muito especificas. Já para não falar do tempo que ficam sem estabelecer contacto com os seus bebés (e vice-versa), e sem um profissional especializado nesta área que possa mediar esta interação nesta fase. No futuro, que adulto poderá ser este bebé tendo em conta este começo de vida? Certamente que terá todo um mundo por descobrir e imenso potencial para fazê-lo. Mas com uma mãe com este tipo de antecedentes há uma série de fatores de risco que conhecemos, e sobre os quais, pouco se atua de forma articulada a nível nacional.
A intervenção especializada no nosso país continua a primar pela intervenção farmacológica nesta área. Ou seja, está deprimida? Ansiosa? Medica-se, e a seguir, vai para a casa com o bebé viver a mesma realidade que potencia o seu sofrimento mental com uma consulta de psicologia que só irá acontecer, com grande sorte, dentro de 4 meses após o diagnóstico médico e respetivo encaminhamento. Isto, claro, se não tiver possibilidade de avançar a título privado com uma consulta de psicologia ou com um enfermeiro especialista em saúde mental, por exemplo. O que, no nosso país, são a grande maioria das famílias.
Ah! E o diagnóstico? Ainda continuamos a subdiagnosticar em cerca de 75% dos casos. Ou seja, há muitas mulheres e homens em sofrimento mental no período perinatal a sofrer em silêncio, e sabe-se lá, a que custo.
....
Podia continuar.
Podia continuar sem parar! Argumentos, considerações, questões, sugestões, observações não me faltam sobre esta temática. E quanto mais sei, mais dúvidas tenho!
É por isso que volto ao inicio deste texto. É preciso falar mais sobre saúde mental. É preciso falar muito. E a par da conversa, é preciso por as mãos à obra também. E cada um de nós, no seu quadrado, pode fazer muito para que a obra nasça.
escutar mais
observar mais
acolher mais
ser mais tolerante
respirar fundo
dar um berro quando tem de ser
pedir desculpa
dizer obrigado
pedir ajuda
Estima-se que cerca de 1/4 da população em Portugal sofra de algum problema do foro da saúde mental.
Enquanto estás a ler este texto, essa pessoa podes ser tu e/ou a pessoa que está, neste momento, sentada perto de ti. Talvez saibas. Talvez não. O que importa? que, quer sejas tu, ou essa pessoa, não estão sozinhos. Hoje, temos muitas soluções para vários tipos de problemas do foro da saúde mental. Podem não ser as ideais, mas há muitas pessoas a trabalhar para que assim o possa ser num futuro próximo, nomeadamente, a classe de enfermagem e os enfermeiros especialistas em saúde mental (sim, estou claramente a puxar a "brasa à minha sardinha", mas com toda a razão!). Contudo, seja o que for, elas existem. Como as encontras?
-> Podes falar comigo - mulherfilhamae@gmail.com
-> Podes aceder a vários links, dependendo do problema que consideras que tens. Sugiro os seguintes:
https://saudemental.min-saude.pt/
https://www.dge.mec.pt/kit-basico-de-saude-mental
http://saudementalpt.pt/backoffice/pdfs/1dc5e2c84d.pdf
-> Podes entrar em contacto com:
Atendimento psicossocial da Câmara Municipal de Lisboa – 800 916 800 (24h/dia)
Aconselhamento Psicológico do SNS 24 – 808 24 24 24 selecionar depois opção 4 (24h/dia)
SOS Voz Amiga. Linha de apoio emocional e prevenção ao suicídio – 213 544 545 | 912 802 669 | 963 524 660 (15h30 às 00h30)
Conversa Amiga – 925 512 884 | 925 512 887 | 808 237 327 | 210 027 159 (15h às 22h)
Telefone da Amizade – 228 323 535 | 222 080 707 (16h às 23h)
Escutatório, Linha de apoio psicológico, Fundação S. João de Deus – 924 101 462 (10h30-12h30 / 14h30-16h30)
APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima – 116 006 (09h às 21h, dias úteis)
SOS Estudante Linha de apoio emocional e prevenção ao suicídio – 969 554 545 | 915 246 060 | 239 484 020 (20h à 01h)
E não te esqueças, podes desempenhar igualmente o teu papel falando muito e cada vez mais sobre saúde mental, com quem te rodeia, sem rodeios! Para que este dia se repita... todos os dias! :)