À conversa com a Ana #11 - "Aos poucos, a nossa dança, dolorosamente desengonçada, foi-se sincronizando. O tal amor incondicional, puro e apaixonado foi surgindo, crescendo e solidificando."
Texto escrito no final de Outubro 2017
Dentro de poucos dias terão decorrido 2 anos de tratamento da minha depressão pós-parto. Voltarei para mais uma consulta com a psiquiatra e creio ser intenção dela dar como concluído o tratamento. Eu também sinto que este capítulo da minha vida está pronto para ser finalizado.
Revendo, em retrospetiva, estes 2 anos foram repletos de grandes desafios e de emoções! Um desses grandes desafios foi a relação com a minha filha. Amo-a incondicionalmente. Sou completamente apaixonada por ela. Mas não começou assim. O meu amor (puro, incondicional e apaixonado) por ela foi-se construindo aos poucos.
Na gravidez sentia-me em paz comigo e com a (ideia) de ser mãe da C. Falava com ela, cantava para ela, tocava muito na minha barriga. Sabia que a relação mãe-filha já acontecia ali, naquele instante da gravidez e queria que a minha filha sentisse, desde logo, que era desejada e amada pela mãe e pelo pai.
Depois ela nasceu e eu não fui invadida por aquele amor imenso e intenso de que se fala. Não houve nenhum clique. Estava exausta por causa do trabalho de parto e em choque (sem ser consciente) pela forma como fui tratada no hospital S.Francisco Xavier (onde era suposto ela nascer). Observava as enfermeiras a tratarem dela, enquanto eu era cosida e pensei “ok, sou mãe! Eu sou mãe. Aquela é a minha filha. A minha filha.” Não sentia felicidade, nem amor, também não sentia medo, tristeza. Sentia-me apenas muito cansada e com a sensação de que tudo tinha mudado. Na maternidade cuidei dela, não tive medo de ir para casa. Pelo contrário, queria ir. Queria descansar na minha casa e começar a nova vida com a pequena C.
Durante as semanas que se seguiram, eu estava a tentar recuperar do trauma da receção do hospital SFX e do toque intrusivo e doloroso de uma das médicas no hospital de Cascais (onde ela nasceu). Tentava recuperar física e emocionalmente, ao mesmo tempo que tinha que responder àquelas que são as exigências de cuidar de uma recém-nascida. E aos poucos, de uma forma completamente insidiosa e crescente, o medo e a insegurança em não conseguir/saber cuidar da C., a tristeza e a raiva pelas expectativas não correspondidas sobre o que seria cuidar de um bebé, foram-se revelando. Mostravam-se no dia-a-dia, nas mais pequenas situações e acabei por entrar no papel de mãe em puro piloto automático e estabelecendo uma relação de aceitação condicional da pequena C.
Cuidava dela por responsabilidade e obrigação. Evitava ficar sozinha com ela. Quando ficava, a maior parte do tempo, evitava olha-la. Queria que ela mamasse e dormisse. Nada mais. Não brincava com ela, não interagia. Ficava enraivecida quando não adormecia ou quando dormia muito pouco. Não diziam que os recém-nascidos “só comem e dormem”! Então porque é que a minha não era assim? Porque é que eu não conseguia fazer mais nada, nem ser mais nada do que alguém a cuidar de uma bebé?
Com o início do tratamento, sobretudo com o Shiatsu e a psicoterapia, a nossa relação começou a mudar. Ao longo dos meses que se seguiram, fui ganhando consciência da falta de apego e de um vínculo forte entre nós. E fui tentando criar precisamente momentos/oportunidades que promovessem o vínculo com a minha bebé. Por exemplo, todos os dias, antes dela dormir, à noite, deitava-me com ela na minha cama, enchia-lhe de beijos, de abraços, de festas, procurava o olhar dela, demorava-me a olhar para ela.
Foram precisos bastantes meses para nascer a Mãe da C., ao mesmo tempo que nasceu a minha própria mãe. Aprendi a ser mãe da C. e a ser a mãe que eu não tive. A tal mãe que ama incondicional e apaixonadamente. Sempre que abraço e beijo a minha filha é como se a minha mãe me estivesse também a abraçar e a beijar.