Seg | 28.08.17
Á conversa com a Laura #2 - Olá tristeza! Olá revolta! Olá cólera! Olá solidão... Vamos conversar?
Ana Vale
Após a minha filha nascer, ainda no internamento na maternidade, eu sentia um turbilhão de emoções desconhecidas da Laura. Eu pensava (ou idealizava) ser por isso que eu não entendia nada do que se estava a passar comigo, no meu coração e na minha mente, que eu até então pensava conhecer perfeitamente e profundamente após quase cinco anos de psicoterapia psicodinâmica. Parecia que eu apenas existia através de um corpo físico, de uns olhos, de um cérebro e de uma vida que não eram a Laura que eu pensava (ou queria) ser, e por isso, eu contrariei o mais que pude até quebrar psicologicamente, todas - TODAS - as sensações e emoções que eu considerei menos positivas e não condizentes com a tal Laura sempre feliz, alegre, lindíssima, forte, extraordinária, ativa, inteligente, pioneira, presente, expansiva, livre, descontraída, assertiva, organizada, saudável e extremamente perfeita que eu pensava e queria muito na altura ser. Rejeitei a minha profunda tristeza por ter tido o parto que eu não queria para nós os três; relevei a minha imensa revolta por não ter a rede de apoio familiar e de amigos que eu achava que devíamos ter; escondi a minha intensa cólera por não estar a compreender nem a lidar de forma positiva com a nossa bebé nem com a minha maternidade e a parentalidade no geral; ignorei a minha dorida solidão que eu sentia em todos os meus átomos e em toda a minha alma apesar de pensar intermitentemente "Laura tu tens aqui a tua tão desejada filha e o teu amado marido junto a ti!".
Enfim... eu não me permiti um único segundo a ser eu mesma com tudo o que eu sentia naquele momento e que eu "não sabia" que era (e continua a ser) de meu direito. De nosso pleno direito! Das mães e dos pais. E até dos avós ou da família toda!
E o resultado de eu não escutar todos estes sentimentos, no meu ponto de vista, não foi positivo nem saudável: resultou numa depressão pós parto muito acentuada e profunda com ansiedade generalizada e um esgotamento nervoso.
Por isso, considero que é essencial permitir-mo-nos a nós mesmas, sermos sempre autênticas connosco e com o mundo. Isto não quer dizer que quando aborrecidas, comecemos a disparar pedras em todas as direções ou a isolar-mo-nos entre os lençóis da nossa cama dias ou meses a fio em depressão, não. Isto quer dizer que quando as nossas emoções e sensações surgem, sejam elas quais forem e seja de forma lenta ou abrupta e de repente, devemos olhar para elas sem filtros nem julgamentos e escutar o que as mesmas nos dizem, porque todas as emoções e sensações - TODAS - trazem informação e revelações preciosas para o nosso próprio entendimento e auto conhecimento, bem como o entendimento e o conhecimento do outro e do mundo e isso traz-nos aceitação, compreensão, desenvolvimento, crescimento, gratidão e evolução. E isto não é concordar com tudo o que nos acontece, isto é, apesar de muitas vezes não concordarmos ou não nos fazer sentido, aceitar que é este o sentimento e é necessário senti-lo mesmo, canalizar a sua energia e transformá-la em algo saudável. Isto é "apenas" trazer uma imensa empatia, tolerância, respeito e amor connosco mesmas e com os outros! É preciso abraçar as nossas dores com carinho, reflexão e consciência para as canalizarmos e as transformar em atitudes positivas, saudáveis, firmes, carinhosas, amorosas e pacíficas para nós mesmas e para os demais.
E quando não se consegue fazer isto naturalmente e espontaneamente, é necessário solicitar ajuda especializada. Solicitar ajuda é a mais corajosa forma de escutar as nossas dores, quaisquer que estas sejam.
E depois... depois é treinar e praticar com determinação o diálogo com estas energias vindas de toda as nossas emoções e sensações, canalizá-las de forma consciente e assistir à sua transformação em um bem estar nas nossas vidas e nas dos que nós amamos e certamente, um dia, também na vida da humanidade, de uma forma fluida, tranquila e prazerosa.