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Mulher, Filha e Mãe

Porque a saúde mental na gravidez e no pós-parto importa!

Mulher, Filha e Mãe

Porque a saúde mental na gravidez e no pós-parto importa!

Dom | 01.02.15

Babyblues: A nossa história detalhada.

Ana Vale

Estávamos no final no ano, mais precisamente a 31 de Dezembro de 2014.

 

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 Nós, a preparar a saída da maternidade no dia 31 de Dezembro de 2014.

 

Outrora estaria com um grupo de amigos, vestida a rigor para dar as boas vindas ao novo ano que se avizinhava, cheia de esperanças, alegria, risos altos e contagiantes, abraços, amor, tudo a que uma boa festa de final de ano tem direito, como muitas outras que já passei. 

Mas agora não. Agora estava precisamente a abrir a porta de casa às 21h00 após ter passado 2 dias na maternidade. 

Estava tudo ótimo, tudo a correr pelo melhor com a minha filha, comigo e com o meu marido. Tinha acabado de realizar o maior sonho da minha vida: ser mãe!

 

E não é que a miúda era um espetaculo? Gira, fofinha, pacifica, pequenina, adorável, com uns olhos gigantes e umas bochechas que davam vontade de beijar e apertar a toda a hora! Tinha um marido fantástico, que me ajudava em tudo: Cuidava da casa, roupa, estava sempre ao meu lado, sendo um excelente amigo e ainda melhor amante. Uns pais e sogros 100% presentes e prontos para me ajudarem no que fosse necessário. Poucos amigos, mas bons! Presentes e verdadeiros!

Penso que... tudo aquilo que alguém poderia querer. Certo? Pois, mas mal sabia eu o que me esperava.

 

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Nós, no nosso 2º dia em casa.

 

Cerca de 30 minutos após a chegada, começo a sentir o cansaço a pesar inerente às alterações das novas rotinas, e tudo o que poderia envolver as sensações físicas de um pós-parto e sento-me para descansar um pouco no cadeirão super confortável que comprei para colocar em frente à cama da nossa filha.

 

De repente, paro, escuto e olho à minha volta. Começo a sentir-me estranha, é complicado explicar a sensação. Não é mal disposta. É mais, triste, angustiada, parece que de repente se injeta em mim uma hiper-consciencialização das características desta minha nova fase de vida, e se começa a abrir uma cratera na zona mais profunda do meu ser. E pior, parecia que já ali estava à muito tempo, bem tapadinha, por uma película muito fina, mas resistente. Não consigo perceber porque é que esse buraco se começa a abrir logo ali, naquele momento em que eu estava só comigo e com a minha filha, no ninho que fui criando para ela ao longo dos últimos meses. 

Não consigo perceber, é certo! E rápido se desenvolve um turbilhão de emoções que começam a girar à minha volta, que surgem e urgem de expressão, pelo que, desato a chorar compulsivamente. Enquanto choro sem conseguir parar, fecho a porta e rezo para que ninguém me veja naquele estado. Só conseguia pensar: "Mas o que é que se passa comigo? Deveria estar tão feliz com tudo o que me está acontecer de bom, e só consigo chorar? Porquê? O que se passa?"

 

Deixo a minha filha na cama, bem quentinha, e corro para o quarto onde estava o meu marido. Só me apetecia abraça-lo e ao mesmo tempo falar-lhe mal. Estou confusa e definitivamente, desorientada quanto ao meu âmago.

Engraçado como ele se lembrou logo do que um amigo nosso lhe tinha falado sobre um possível "estado normal" de marcadas e repentinas alternâncias de estados de humor após o parto.

Naquele momento, eu não queria acreditar que era isso que me estava acontecer. Confesso até, que tive ali alguns momentos de negação, mas após uma longa conversa com meu marido, e muita compreensão da sua parte, lá me olhei, inteirei e passou.

 

Mas não deitem já foguetes! Foi mesmo só superficialmente. No fundo, eu continuava a sentir aquela cratera que vos falei. E pior do que tudo, não se ficou por aqui. Piorou com o tempo, tornou-se bastante frequente no espaço de um mês e contagiou as minhas emoções, pensamentos e intenções em relação a mim e à minha família mais próxima.

 

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Nós, na nossa primeira semana em casa.

 

Só me queria isolar, chorava de repente e compulsivamente mal alguém verbalizava alguma coisa que não me caísse tão bem (às vezes sobre assuntos mais complicados, mas outras vezes, sobre assuntos que pouca importância teria dado se estivesse tranquila), com nítidas alternâncias rápidas e intensas de humor.

Para além disso, fazia-me imensa confusão que as pessoas viessem ver-me a mim e à minha filha e a quisessem pegar ao colo. Achava que todos eram chatos, inconvenientes, e sentia que precisava de tempo para mim e para ela (no fundo, para nos conhecermos melhor uma à outra) e que ninguém o respeitava. Sentia que ninguém compreendia este tempo e que todas as pessoas só ligavam às suas mais profundas necessidades de verem um bebé, beija-lo, pega-lo ao colo e não aquilo que realmente interessava: o descanso do bebé e o meu descanso. E pior do que tudo, irritava-me constantemente comigo por sentir que não estava a ser capaz de transmitir às pessoas que nos visitavam a minha vontade e a da minha filha, por provavelmente ser um comentário que "pareceria mal" aos olhos dos mesmos.

 

No final, descarregava as minhas frustrações, medos e irritações, em mim, e no meu marido. Como devem calcular, isto fomentou tudo, menos um bom ambiente conjugal, ainda por cima, numa fase tão delicada, recente e inexperiente, como o primeiro mês da vida de um novo ser, cá em casa e nas nossas vidas. Nas nossas novas vidas.

 

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 O pai, numa das tarefas que mais gosta: Dar banho à filha.

 

Perante esta situação, e embora não fosse a minha maior vontade, obriguei-me a falar com duas amigas que já tinham sido mães e apercebi-me que isto era comum. Obriguei-me a falar com a minha mãe, e apercebi-me que isto era comum. Quando me senti melhor, falei com outras mulheres, e percebi que isto era muito comum. Fiz várias pesquisas na internet, e apercebi-me que era um problema comum, mas onde me pareceu haver logo à partida pouco investimento. Comecei desde logo a sentir alguma revolta e a pensar concomitantemente: "Porque é que, se este é um problema tão comum, ninguém me falou sobre isto? Mas será que só o aparecimento de incontinência, hemorróidas, dificuldades a nível sexual, alopecia, cáries, privação de sono, entre outros, é que interessam clinicamente e merecem ser dados a conhecer às mulheres e respetivas famílias no pós-parto? Mas será que ninguém compreende como é que isto pode afetar a vida de uma pessoa, pessoal e coletivamente?" 

 

Cheguei até a comentar a situação que vos descrevo com a minha médica na consulta de revisão pós-parto e a mesma deu muito pouca importância ao assunto, chegando até a desvalorizar a tristeza que referi que havia sentido com muita frequência ao longo das últimas semanas (embora queira mencionar, e também sublinhar, que apesar deste facto, me acompanhou de uma forma extremamente profissional e competente na minha opinião, do inicio ao fim da minha gestação).

 

E assim, há medida que o tempo passava a situação ainda me revoltava mais. Aliás, o baby blues ou blues pós-parto passou, de repente, de um dia para o outro (o que foi estranho também, mas pelo que me informei, natural) e a marca de tudo o que senti tão interna e profundamente, a forma como isso me transformou e me deslocou, a forma como me arranhou e sangrou durante o meu primeiro mês de maternidade, quando eu pensava (erradamente) que era tudo, ou praticamente tudo, um momento pintado de cores claras e suaves, continuou a matutar na minha cabeça.

E sabem o que é que matutava mais? Pensar que felizmente, tive sempre o apoio dos que me amam, que tive sempre um marido com quem pude desabar e me apoiou sempre em todos os momentos menos bons que passei. Que tive sempre uns pais que compreenderam os meus tons mais arrogantes e amargos, uma irmã que compreendeu sempre os meus sinais de chamada de atenção e amigos que souberam respeitar a minha forma de ver e sentir o meu espaço e manter o seu ombro, sempre lá para mim. E mesmo assim, só pensava: E as mulheres que não têm nada disto? E aquelas que sofrem em silêncio, por terem, até, vergonha de falar sobre isto? E aquelas, que como eu, não sabem da importância disto? E aquelas que não têm ninguém para desabafar? Ninguém em quem se apoiar? Com que marcas ficam? Será que as suas feridas cicatrizam e param de sangrar? Que marcas isto pode deixar?

 

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 É preciso legenda? Esta imagem descreve um dos alicerces do meu ponto de viragem nesta situação.

 

E desta forma, senti que criar algo que pudesse ajudar outras pessoas, que tal como eu, também passaram e/ou passam por situações semelhantes, poderia ser um ótimo ponto de partida para promover algum tipo de apoio. Falo especificamente de apoio informativo de cariz informal, mas baseado em informação fidedigna: a informação de quem vivenciou/vivência este tipo de situação, e informação de autores que estudam e trabalham este tipo de temáticas.

Daí ter chegado à conclusão que realizar um blog que publicasse e trabalhasse temas inerentes à Saúde Mental Perinatal, fosse uma dessas forma de apoio para quem nos lê. 

 

No final, e para não me alongar muito mais, só há três empirismos que gostava de dos passar e que tomo, praticamente como certos, dada a minha experiência pessoal:

 

- Primeiro: chorar, quando supostamente se deve só sorrir aos olhos de quem nos rodeia (falo do inicio do período pós-parto), é normal. É NORMAL. Chorar compulsivamente durante meses, é que já não é normal e pode ser já um sinal que nos deve levar a uma ajuda mais especializada (Psicólogo e/ou Psiquiatra).

 

- Segundo: assumir o que alimenta as nossas tristezas e desabar com alguém, é o primeiro passo para a libertação desse mesmo estado. Este, quer se mantenha por muito ou pouco tempo, poderá passar só por ser uma "simples" fase da vida de uma mulher, se formos capazes de desabafar, em vez de se estender a um problema de maiores proporções, se acabarmos por guardar tudo só para nós.

 

- Terceiro: para além de nós, o nosso maior aliado tem, definitivamente de ser a pessoa com quem partilhamos a cama, a escova de dentes, o prato, o roupeiro, enfim, o espaço mais íntimo, pois é aí, nesse mesmo espaço, que todas estas sensações e emoções se situam, desenvolvem, e tomam rédeas à nossa emoção, pensamento e ação, se não estivermos atentas e bem informadas, e previa e/ou posteriormente, minimamente preparadas.

 

 

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"No final" de tudo isto, é nítido o que evidencia o nosso olhar, não é?

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