Há coisas para as quais ninguém nos prepara. #1
Enquanto passei por aquela fase, ajudou-me imenso, escrever.
Encontrei nas várias conjugações verbais e sentimentais, um refugio mental e emocional, que me ia ajudando, pouco a pouco a voltar até mim.
Sempre gostei de escrever, mas nunca pensei que se chegasse a tornar um verdadeiro refúgio. Uma constante.
Chegou a uma altura que começou a ser quase que automático: chegava a primeira lágrima, e lá alcançava, angustiantemente, o meu caderno. E assim, escrevi, não uma, duas ou três, mas, setenta e três páginas, do mesmo.
Setenta e três páginas repletas de frases, pensamentos, dúvidas (muitas dúvidas), emoções, sentimentos e atitudes que descreviam muito do que eu conseguia transcrever verbalmente sobre o que intrinsecamente, me controlava e sentia. Aquela minha, nova e estranha forma de estar, desde que tinha sido mãe.
Depois destes últimos dias, e com o conhecimento de tantas outras histórias, senti que tinha de dar um pouco mais de mim, e lembrei-me de dar mais um passo na direção desta luta e transcrever-vos, o que está escrito na primeira página do meu caderno, que tão solidamente me acompanhou.
E querem saber uma pequena curiosidade banal e coincidente? Imaginam qual a frase que marca a capa dura do meu caderno?
"Being a Woman"
04.01.2015 - No Cadeirão do Quarto da Madalena.
Há coisas para as quais ninguém nos prepara...
Estou cansada, não exausta.
Sinto-me derrubada, triste, abalada, só, num barco à deriva no meio de algures. Longe, e só. E Há tanta gente à minha volta..
Amanhã fará uma semana que o meu pequeno rebento nasceu [e que coisa mais maravilhosa e perfeita que tive a oportunidade de "ter" e conhecer]. E hoje, faz quatro dias que verto consecutivamente rios de lágrimas, numa qualquer altura do dia, sem parar.
É tudo tão antagónico, estranho, duro e forte, emocionalmente.
Há coisas para as quais ninguém nos prepara...
Quem me é próximo e me ama, sufoca-me, magoa-me. Quem me é próximo e me ama, faz-me falta. Quem me é próximo e me ama, não compreende. Quem me é próximo e me ama, nem sempre está presente. Já disse que tudo isto é duro?
O que faço? Por quanto tempo continuarei assim? Quanta mágoa ainda me aguarda? Sinto-me desfeita em milhares de pedaços, e quando eles se juntarem, se juntarem, sinto que não voltarei a ser a mesma. É suposto? É natural?
Há coisas para as quais ninguém nos prepara...
Não quero pisar o risco, mas também não sei lidar com isto. Alguém tem a fórmula?
Quero o meu canto, quero o teu abraço, quero o teu amor, quero a tua companhia, quero sair, quero ficar, quero desaparecer, quero falar, quer entender, quero ultrapassar, quero cuidar, quero o meu sossego, quero voltar a sentir-me plena e feliz! Quero estar bem comigo mesma.
Quantas pessoas vivenciaram isto?
Porque é que ninguém fala sobre o assunto?
É assim tão complicado falar sobre o que é menos positivo?
Falta frontalidade, realismo, partilha e assertividade! A quem? A todos! A quem é e não é próximo, a quem já passou e não partilhou, a quem viveu e escondeu, a quem não compreendeu, a quem sentiu e não se despiu.
Eu sei. É preciso ter coragem, força e vontade. Mas não é mais simples viver de acordo com a realidade?
É duro. Há coisas para as quais ninguém nos prepara.
Eu e a Madalena, no seu segundo minuto de vida extra-uterina.