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Mulher, Filha e Mãe

Porque a saúde mental na gravidez e no pós-parto importa!

Mulher, Filha e Mãe

Porque a saúde mental na gravidez e no pós-parto importa!

Dom | 03.05.20

Tenho saudades tuas, mãe!

Ana Vale

Hoje celebra-se o dia da mãe, mas também se celebra o dia mundial da saúde mental materna - e como podem calcular, não é por acaso que assim é. 

Ser mãe é, muito provavelmente, dos papéis mais exigentes que as mulheres de todo o mundo vão desenvolvendo dentro de si. Começa muito antes do período fértil, ou mesmo da vontade de o ser. 

Quando somos crianças, observamos muito a nossa mãe, cada cria à sua maneira. Observamos como sorri, como se mexe, como comunica verbal e não verbalmente - os bebés/crianças estudam meticulosamente cada microexpressão sua de uma forma absolutamente incrível - como se veste, como age com as pessoas e com o mundo que a rodeia, como fica zangada e alegre, como cuida, como mexe o braço, a boca, como anda.. etc., etc... e tudo isto, vai sendo absorvido dia após dia, dentro de uma dinâmica familiar, mas mais especificamente, dentro daquilo que também denominados por díade mãe-bebé

 

Mais fascinante ainda, é que enquanto bebés e crianças, vamos desenvolvendo - e eu digo "vamos" porque todos nós já passamos por isto - o nosso olhar sob o mundo que nos rodeia, primariamente, através do olhar das nossas mães. Vamos sendo, inicialmente estimulados em prol do nosso desenvolvimento cognitivo, motor, psicoafetivo, pela nossa mãe, assim como, vamos regulando dentro de nós, muito do que assimilamos de todas estas experiências que vamos colecionando - e mesmo sem ter esta consciência - através da relação com a nossa mãe. Portanto, ao mesmo tempo que é fascinante, é também absolutamente fundamental e incrivelmente exigente a relação mãe-bebé, e assim sendo, o papel das mães neste mundo - com ou sem COVID - o que também coloca todas as mulheres/mães num limbo materno psicoafetivo - diria eu - desde a gravidez, até ao fim das suas vidas enquanto mães. 

 

A vontade de se ser mãe, a gravidez, o nascimento de um bebé, o cuidar de um bebé, o educar de uma criança, o orientar de um adolescente e o acompanhar o adulto para o resto da sua vida é um processo duro, muito exigente, gratificante para muitos, pouco interessante para outros, requer sacrifico, entrega, compaixão, humildade e criatividade, e que trás, em toda a sua essência - no meu ponto de vista -  algo que denomino como um bilhete VIP para assistir ao filme sobre "o desenvolvimento global de um ser humano" na primeiríssima fila, e ainda ter a inacreditável possibilidade de:

 

  • Ir gerindo o filme em determinados momentos, fazendo umas edições de vídeo aqui e acolá, gerir o som, a música a cor, a fotografia, e podemos até tentar mudar/ajustar o guião da história - o que não quer dizer que tenhamos sempre sucesso;
  • Tirar um doutoramento na direção de atores, ao mesmo tempo que vamos assistindo ao filme;
  • Sofrer de ansiedade e medo em vários momentos com a cena que poderá vir a seguir, surpreso com cenas que não se estava à espera e sentir-se completo e orgulhoso com outras cenas que nos fazem vivenciar muitas das nossas, assim como, (quase que) cair da cadeira a baixo pela alegria com que se vivenciam tantas das demais.

 

Tudo isto, sem saber bem como acaba o filme mas... continuando a estar presente na medida daquilo que é possível para cada um, enquanto espetador. O filme é a vida de cada filho, onde cada mãe/pai está presente, podendo assistir, intervindo em alguns momentos, tentando noutros, mas a verdade é que a responsabilidade de cada ato que o compõe - mais ou menos consciente - é de cada ator principal. Ou seja, um bilhete único que adquirimos no inicio desta caminhada, e que já ninguém nos tira (aconteça o que acontecer), é o bilhete que adquirimos para termos a possibilidade de estarmos lá enquanto espetadores ativos, conscientes, compassivos e críticos construtores, na senda de uma responsabilidade continuada, e numa caminhada paralela aquela que também cada mãe, enquanto mulher, iniciou desde o seu próprio nascimento. 

 

[Algo tão simples de se fazer, como subir o Evereste ou ir à lua num dia e voltar no outro. É mais ou menos isso.]

 

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Ser mãe, traz-nos uma força invisível. Aquela que está escondida dentro de cada uma de nós e que sai cá para fora em alguns momentos que nos julgávamos perdidas no meio do "caos" [tal como agora, considerando o período que vivemos...]. Aquela força que nos impele a andar para frente, mesmo quando, tantas vezes, queremos parar. Traz-nos o apurar da intuição, aquela fundamental que nos guia na escuridão do pensamento. Sabemos que por muito que pensemos de determinada maneira, há algo "para lá de" ainda por apurar. Traz-nos maturidade e sabedoria. Por mais nova ou mais velha que seja a mãe, uma mãe vai desenvolvendo, passo a passo, uma sabedoria única, própria, em torno do desenvolvimento da sua cria e em torno do seu própria desenvolvimento enquanto filha e mulher. Está tudo interligado. E é maravilhoso que assim seja.

 

Ser mãe, traz-nos muito! E esta é uma afirmação tão vasta... possivelmente mais vasta do que o próprio universo onde nos inserimos. Na verdade, ser mãe traz-nos um conhecimento, que até então, estava ao alcance de muito poucos - o conhecimento sobre o amor incondicional. Aquele amor que nos faz questionar a importância da nossa vida em prol da vida de quem cuidamos. Algo, aparentemente assustador, mas pacificador ao mesmo tempo. Sabemos que a vida lhes irá trazer dissabores - aqueles que também nos trouxe e... outros tantos - e confiamos que o nosso coração nos indicará sempre o caminho para lhes dar o colo que precisam. Porque o colo pode nem sempre ser o abraço, o beijo, a palavra, ou o próprio colo. O colo pode ser o respeito, o espaço, o entendimento e/ou a aceitação. 

 

E já agora... no atual momento em que nos encontramos, acredito haverem muitos filhos a precisarem de colo, assim como, muitas mães. 

Acredito que hoje muitas mães abracem de forma ainda mais vigorosa os seus filhos, as suas crias crianças/bebés, os seus adolescentes, e que sejam abraçadas/acarinhadas com o mesmo reflexo de amor, que cada filho partilhará à sua maneira. Mas na verdade, também há muitos filhos e muitas mães que estão separados por via das circunstâncias, e este dia, ainda vem salientar a distância que neste momento não os une fisicamente para que esse abraço (tão desejado!) seja possível. 

 

Depois de vários ciclos de amor e educação, da mãe que deu colo ao seu bebé para o mesmo dormir, que acordou várias noites para o amamentar, que teve paciência e impaciência suficiente para o desfralde, para as birras no meio do supermercado, para a integração na creche,a escola, universidade, para as doenças naturalmente decorrentes do desenvolvimento e adaptação do sistema imunitário, para a vinda dos amigos a casa - mesmo quando aquilo que mais queriam era um só momento para descansar à vontade no seu sofá - para a gestão das economias face às exigências crescentes com o crescimento de cada filho, para as noites de cinema e/ou jantares em família que nem sempre acabavam como o esperado, para as expectativas que nem sempre foram correspondidas, e para um tanto de tantas outras experiências que cada um de nós teve à sua maneira... Depois de todos estes ciclos, de todos os anos em que dentro e fora do dia da mãe, tantas mães e tantos filhos estiveram juntos, presentes de uma maneira ou de outra - não necessariamente fisicamente - a diferença é que neste ano impõem-se uma vivência em distanciamento, mesmo depois de todas as últimas semanas de confinamento.

 

É por isso que acredito que a saudade, para lá do amor, seja a palavra de ordem do dia. 

Saudade de estamos juntos. Mães e Filhos. Saudade do abraço apertado, não comedido. Saudade do amparo, do cheiro, do toque. Saudade da risada e dos ralhetes. Saudade da parvoíce e das expectativas não correspondidas mas vivenciadas em tempo real, e pessoalmente. Saudade da liberdade de estar e ser em conjunto, em família. 

"Tenho saudades tuas, mãe". Acredito que esta seja uma frase constante no dia de hoje. Até porque mesmo para as mães que estão por perto, nem sempre conseguem estar para os filhos em pleno como gostariam. Os tempos exclusivos de teletrabalho e de gestão de afazeres domésticos, familiares e afins, assim obriga a uma gestão conotada por raízes ansiosas, resultados que geram constante frustração, um dia-a-dia repleto de incerteza e de pouco colo, para todos nós. Para filhos e para mães. E para as mães que são filhas, também. 

 

E é por tudo isto - e mais umas milhentas coisas que ainda me apetecia escrever sobre o tema, mas considerando o facto do texto já ir longo, não é possível - que o dia da mãe é tão importante como é, assim como, é tão importante estar ligado ao trabalho/luta em prol da maior visibilidade da saúde mental materna, que tanto importa também! 

 

Ser mãe, e ter saúde mental, não é tarefa fácil, e muito menos, simples para um animal como o ser humano. 

Relembro que, excetuando a doença cardíaca, a depressão é a doença crónica que mais afeta as mulheres, as quais apresentam uma vulnerabilidade maior para esta patologia nos anos reprodutivos (entre os 18 e os 44 anos). Esta doença é também a maior causa de internamento não obstétrico nas mulheres nestas idades. E sendo estes os anos em que a maioria das mulheres tem filhos, existe uma probabilidade elevada de muitas estarem deprimidas durante o período perinatal1.

Estima-se que cerca de 75% dos casos de doença mental neste período seja subdiagnosticada, exatamente porque, para além da pouca formação, existe uma constante desvalorização da área, do tema, dos problemas que surgem numa altura em que "supostamente, devia ser feliz dado o nascimento de um bebé..." - algo que muitas mulheres/famílias alegam. Problemas estes que perduram, quando não tratados e/ou não tratados adequadamente, tendo consequências claras para o desenvolvimento do bebé, para a relação mãe-bebé, para os casais, famílias e especialmente, para as próprias mulheres.

 

É tão importante o abraço que hoje tanto se quer dar e manifestar, entre mães e filhos, como a compreensão perante um estado de saúde mental da mulher, em risco, ou claramente afetado. 

É tão importante valorizar uma qualquer oferenda e/ou ato de carinho neste dia da mãe, como valorizar o esforço que todas as mães fazem, todos os dias, para conseguirem gerir um sem número de tarefas sem fim à vista, e que lhes trazem todos os dias um desgaste acrescido. 

 

Também bem sei que as mães, julgo eu que na sua maioria, fazem tudo isto e assim continuarão, de coração. Com o tal amor incondicional sempre presente e que lhes dá oxigénio (por vezes) suficiente para mais um dia ultraexigente. Mas lá porque amam incondicionalmente os seus filhos e tanto por eles fazem, lá porque quiseram ser mães e adoram os momentos em família, lá porque escolheram este caminho pessoal e outro profissional, não quer dizer que as mães não tenham dias difíceis e que não precisem de parar, de serem ouvidas, de terem um tempo só seu, de serem respeitadas noutras escolhas que façam e que não envolvam os seus filhos e/ou família.

 

No final de contas, ser mãe, também é perceber e aceitar que todos os dias são diferentes, e que dentro do nosso ser mulher, nem sempre encaixa a peça da maternidade. E que mesmo assim, continuamos a ser as melhores mães que sabemos para os filhos que temos, dentro de uma realidade inconstante, e na base de uma aprendizagem diária. 

 

Feliz dia da mãe para todas as melhores mães do mundo! 

 

 

1 - Macedo, A.F. & Pereira, A. T. (Coords) (2014). Saúde Mental Perinatal: Maternidade nem sempre rima com felicidade. Lousã: Lidel.